PORQUE O OUTUBRO É ROSA

Era uma vez, um mês de um ano qualquer,  que, por arrogância e orgulho , decidiu deixar o calendário onde habitava. Num espírito soberbo desceu a parede pensando: “Sou o mês mais viril dos meses, sou o único a iniciar e terminar com a letra “o”, não é justo me encrustarem em meio a números quaisquer. Afinal trago em mim datas sagradas para muitos, datas que lembram o professor, o médico, as crianças, o livro, enfim….  Vou mostrar minha fama ao mundo.” Saiu então na sua peregrinação ufana.

Caminhando altivo pela estrada, deparou-se com  um menino que copiosamente chorava. Seu rosto brilhava, num misto de lágrimas e pó. Aquele mês, num gesto impensado disse:

-Eu entendo você. Ao se deparar com uma figura tão ilustre como eu, é compreensível que você tenha caído em prantos…

-Como?-Disse o menino sem entender . Porém movido pela necessidade continuou- Minha mãe se foi, “é apenas um carocinho,” ela me disse, mas de pouquinho em pouquinho ela foi saindo de casa e não voltou mais, por isso “tô” chorando moço.

O Mês, meio decepcionado, com um afago descomprometido, despediu-se do garoto, prosseguindo a viagem.

Pouco à frente notou uma menina que corria em sua direção. De repente ela pára assustada.

Mais uma vez, com olhar superior o mês diz:

-Vejo que tem bom gosto , ao notar minha bela presença , veio correndo ao meu encontro.

-Desculpe  senhor. Quando  ví seu vulto em  meio a poeira da  estrada , pensei ser  minha irmã. Todo dia minto para mim mesma. Sei que ela morreu. Era apenas um botão em seu peito, um botão que floriu, mas não para alegria, mas para minha tristeza e de minha mãe.

Agora, um pouco mais condoído, até ensaiou enxugar as lágrimas da pequena -“ Histórias tristes”, pensou. Prosseguiu seu caminhar.

Num campo aberto notou um jovem senhor, bem vestido, sapatos espelhados, que debruçado  em lágrimas sobre uma pequena laje, deixava deitar sobre ela uma rosa.

Esquecendo a tristeza contemplada, novamente veio a tona o desejo daquele mês de ser notado.

– Jovem – Disse ele – Se por  acaso eu me visse frente a frente comigo mesmo , também em reverência me dobraria e em emoção me derramaria em lágrimas.

O Jovem senhor levantou os olhos lacrimejantes , disse:

– Do que falas homem? Estou chorando sobre  a lápide de minha amada. Era apenas um nódulo em teus seios, talvez por descuido, ele eclodiu como uma flor carnívora, abocanhando nossas vidas ,nossa alegria e nossos planos. Maldito nódulo.

Compadecido, o mês toca os ombros do rapaz. De seus lábios pode se ouvir um tímido ‘”sinto muito ou me desculpe” .

Saindo cabisbaixo e pensativo -“ Quanta tristeza, crianças choram à toa, mas parece estranho, pois no peito deste homem bate um coração tão homem quanto o meu . Até onde prosseguirei contemplando isso?”. Pensou. De repente, num lépido girar, pode se ver sua capa flamular ao vento. Começou então a  voltar.

Chegando, escalou a parede , e em clemência implorou ao calendário:

-Por favor , deixe-me ficar,  devolva meus dias . Que voltem a mim a fé de muitos , que sejam lembrados as crianças, os médicos, os professores e os livros. Mas tudo isso de nada valerá se as mulheres não forem lembradas de se cuidar.

E engolindo sua virilidade, orgulho,  soberba e altivez, pediu:

– Para isso, por favor, ” PINTEM-ME  DE  ROSA”.

 

     ISRAEL MELLO

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